Observamos a agressividade na educação infantil a partir de inúmeros episódios que encontramos no cotidiano escolar e em casa.
A agressão - quase sempre desencadeada por alguma frustração - é um comportamento que possui a intenção aparente de machucar outra pessoa, sendo às vezes, motivado pela disputa de algum objeto.
A agressividade nesta fase tende a sofrer mudanças em sua forma, freqüência e na motivação para esta ação. Ao longo dos anos a agressividade tende a diminuir ou modificar-se conforme a criança passa pelas etapas do seu desenvolvimento cognitivo; vivencia experiências construtivas; socializa-se e encontra nos pais ou professores um mediador para as suas ações.
Para agirmos de forma assertiva nos momentos de conflitos precisamos conhecer as etapas no qual as crianças se encontram e, para isso, tomo como ponto de partida as idéias de Jean Piaget.
Para Piaget o desenvolvimento cognitivo é um processo contínuo no qual o indivíduo constrói e reconstrói estruturas em busca de um equilíbrio. Dessa forma o indivíduo passa por várias fases de desenvolvimento denominadas por Piaget como “Estágios”, e os classifica em quatro etapas.
Neste capítulo veremos brevemente as duas primeiras, pois, são elas que aparecem durante o tempo em que a criança se encontra na educação infantil.
A primeira etapa é a Sensório-Motora, e se estende do nascimento até os dois anos de idade. A segunda etapa é a Pré-Operatória, abrangendo as crianças de dois a sete anos de idade.
Observamos acima que há um indicativo de idade para cada estágio. É importante lembrar que essas faixas etárias são variáveis. Isso porque cada ser humano é singular, possuindo características biológicas próprias e estímulos externos diferentes que formam as variantes destes indicativos. O mais importante é lembrar que a ordem dos estágios é sempre respeitada indiferente do início e término de cada uma delas.
No primeiro estágio, o Sensório-Motor, as crianças:
· Agem por meio dos reflexos neurológicos.
· Participam do mundo de forma direta, objetiva sem formular reflexões e pensamentos.
· Conhecem o mundo pelos sentidos, levando os objetos até a boca e prestam atenção em cada ruído ocorrido a sua volta.
· Desenvolvem-se emocionalmente.
· Criam a noção do tempo, espaço e objeto por meio da ação.
Através da construção destes esquemas as crianças assimilam o mundo a sua volta. E, ao término deste estágio, pode perceber-se parte de um conjunto, no qual ações e interações acontecem.
A fala é construída neste estágio e justamente por não dominá-la a criança opta por comunicar-se principalmente pela linguagem corporal, utilizando o choro, a mordida, a birra, a manha, as expressões faciais e os gestos para interagir com o meio.
Neste estágio de desenvolvimento cognitivo, os conflitos que ocorrem entre as crianças em casa e também na escola são iniciados, geralmente, pela disputa de um brinquedo, de um livro, pela posição ao sentar-se na roda ou mesmo pela atenção do professor, avôs, pais.
A criança não morde o colega da turma, por exemplo, porque tem a intenção de machucá-lo, de feri-lo gratuitamente como ocorre no bullying. Essas agressões ocorrem por ser o caminho mais curto para alcançar o seu objetivo.
No segundo estágio, denominado por Piaget como Pré-Operatório:
· Ocorre o despertar da comunicação, a criança ganha ano a ano um vocabulário cada vez mais extenso, facilitando a socialização.
· Conhece e gosta de brincar com o outro, interagir e se comunicar.
· Há um avanço no desenvolvimento cognitivo, social e afetivo em decorrência da aquisição da linguagem.
Este é o estágio no qual a famosa frase “mas por quê?” aparece. Para a criança tudo tem que ter uma explicação. Nesta etapa ela tende a não relacionar fatos e, embora haja um avanço no desenvolvimento social da criança, o egocentrismo, ainda assim, é marca registrada desta etapa uma vez que, a criança, não concebe a existência de outras realidades na qual ela não faça parte.
Os conflitos entre os colegas da classe continuam a existir, seja pela disputa por algum objeto ou pela atenção de uma pessoa querida. Como antes, a criança ainda pode resolvê-los de forma a utilizar a linguagem corporal (birra, mordida, choro) como tentativa de resolução do conflito, mas esta escolha tende a diminuir.
Como adquiriu um vocabulário mais extenso neste estágio, a criança pode recorrer ao professor e contar o que houve. Observamos que, por volta dos cinco e seis anos de idade, a criança é capaz de inventar apelidos pejorativos para seus colegas de turma, criar panelinhas, excluir, provocar e até humilhá-los.
Desta forma, ao conhecermos estes dois estágios podemos entender que uma mordida ocorrida durante um conflito entre crianças de dois anos deve ser interpretada e mediada de forma diferente se ocorrida entre crianças de cinco e seis anos de idade.
Na escola, o professor de educação infantil, assim como os outros profissionais envolvidos no processo de educação das crianças pequenas, propicia a elas a proteção e a segurança necessária para que estas se sintam confortáveis longe de seus lares.
Quando uma criança busca o seu professor para resolver algum conflito existente durante a sua rotina na escola, ela espera que este, de fato, dê importância para a sua causa e resolva a questão.
Muitas vezes e por inúmeros motivos, essa intermediação por parte do educador para com o problema colocado pela criança não ocorre. Acentuando a tendência do aluno de não contar para o professor as suas inquietações e preocupações.
Para mediar os conflitos e as situações de agressividade ocorridos em sala de aula de maneira assertiva e construtiva, primeiro é preciso entendê-los. E nada melhor do que começar dando atenção aos envolvidos nestes episódios.
É importante pensarmos que todo conflito envolvendo agressividade entre as crianças na educação infantil deve ser uma ponte que os leva a um caminho de autoconfiança e construção.
Por isso, o papel dos pais e dos professores em mediar essas situações é tão importante quanto conhecer o estágio de desenvolvimento que a criança se encontra.
Ao pensarmos em uma situação no qual, como conseqüência de um atrito, uma criança de dois anos bate ou morde um colega da sua turma, não podemos dizer que esta é uma criança agressiva e que possui um transtorno de conduta.
Com esta idade o seu melhor e mais rápido mecanismo para alcançar o seu objetivo é por meio da linguagem corporal e pode utilizar-se da mordida com essa finalidade. A criança não entende que está machucando, pois o seu estágio atual do desenvolvimento cognitivo não permite que esta se coloque no lugar do outro.
Já nesta idade é preciso estabelecer limites, os pais e os professores devem deixar claro e sempre lembrá-los do que é permitido e o que não é. Birra, mordida, chute não é um comportamento adequado porque fere o outro e, por isso, não deve ser permitido.
Neste caso, os pais e os professores podem:
· Agir com tranqüilidade e naturalmente.
· Mostrar que a atitude não foi correta ao morder ou bater.
· Não super valorizar a agressão.
· Estipular limites.
· Sempre evitar que se machuquem e machuquem o outro.
Para amenizar os conflitos entre as crianças de 0 a dois anos de idade e, na tentativa de diminuir as agressões físicas como as mordidas, o professor pode trabalhar com brincadeiras e jogos cooperativos.
Criar muita ansiedade e tencionar ainda mais o conflito é desnecessário já que estas atitudes são típicas do primeiro estágio, e tendem a diminuir com o tempo.
No intuito de prevenir que os nossos filhos se envolvam com o fenômeno bullying no futuro, os sentimentos de amizade, respeito, carinho, união, alegria e tristeza devem fazer parte das atividades e do cotidiano da casa.
No segundo estágio de desenvolvimento, o Pré-Operatório, vimos que a criança já é capaz de agredir intencionalmente e, por volta dos cinco anos de idade, é capaz de inventar apelidos, formar panelinhas e até mesmo fazer “brincadeiras” de mau gosto.
Podemos notar que os conflitos existentes nesta etapa da educação infantil tornam-se diferentes; se antes a agressão acontecia pela disputa de um objeto, agora ela pode ser verbal e intencional.
É neste momento que o papel dos pais no combate e prevenção ao bullying é extremamente importante. É preciso trabalhar tanto com a criança que inventa apelido e faz gozações, quanto com aquela que recebe estas ações e não sabe como sair destas situações constrangedoras. E os pais podem ajudar os professores contando como a criança é em casa e ouvindo como a criança é na escola.
É nesta fase que os comportamentos de agressões físicas e morais e a baixa auto estima devem ser trabalhados evitando que tais características se acentuem.
A personalidade da criança é construída nos primeiros anos de vida e coincide com sua passagem pela educação infantil. Por isso, o papel e o exemplo dos pais e dos professores e, também, a forma com que eles resolvem os conflitos do dia a dia, ajudam a formar a base da educação da criança, evitando até mesmo que se envolvam com o fenômeno no futuro, seja como alvo ou autores de bullying.
Porém, como saber se a agressividade é ou tornou-se um desvio de conduta?
Neste capítulo vimos que cada estágio do desenvolvimento cognitivo possui suas características próprias e algumas ações são esperadas ou aceitas como parte integrante destas etapas.
Pensando na agressividade, esta tende a diminuir a partir do momento que a criança domina a linguagem, desenvolve-se emocionalmente e socialmente e passa para outro estágio. Porém, o que fazer quando a agressividade na criança não diminui?
Primeiro é preciso observar, refletir e entender alguns fatores importantes.
O comportamento agressivo pode ser acentuado ou atenuado de acordo com o ambiente familiar no qual a criança está inserida. Um aluno que vive em um lar cuja violência física e verbal acontece constantemente pode aprender com os exemplos e tornar-se agressivo na escola.
Ou então, uma criança extremamente mimada e que não possui em casa limites para as suas atitudes, encontra dificuldades na hora de dividir brinquedos e a atenção com os colegas durante a sua permanência na escola, podendo escolher o caminho da agressividade como válvula de escape.
Quando a criança pequena entra na escola, é muito marcante para ela, principalmente nos seus primeiros meses na escola, a diferença que é estar em casa e estar na escola.
Em casa, a criança geralmente é o centro das atenções, mesmo antes de nascer já conquistou a família e, caso não seja o único filho, quando tem que dividir seus brinquedos é apenas entre os seus irmãos.
Na escola, inserir-se no grupo é tarefa difícil para muitos. A criança divide a atenção da professora com os seus colegas de classe, assim como divide o brinquedo, o lugar ao lado de determinado amiguinho e os espaços escolares. Os conflitos surgem, e a agressividade pode aparecer como conseqüência.
Algumas situações são extremamente marcantes na vida das crianças: a separação dos pais, a perda de um animal de estimação, a morte de uma pessoa próxima a ela, o melhor amigo que foi para outra cidade, a mudança de casa e de escola, a viagem longa do pai ou da mãe.
Todos estes acontecimentos geram uma enxurrada de sentimentos que, muitas vezes, a criança não sabe como lidar. Quantos casos nós já ouvimos ou presenciamos de comportamentos agressivos em crianças que acabaram de ganhar um irmãozinho? Com o tempo ela aceita o novo membro da família, mas naquele momento, a agressividade foi à forma que encontrou de se expressar e de interagir.
Os pais e os professores de educação infantil devem mediar os conflitos levando-os sempre a um crescimento, a uma construção. Porém, durante o seu convívio com as crianças na escola, o professor pode deparar-se com situações em que a resolução não está mais em suas mãos.
É muito importante entender que, quando a agressividade persiste por muito tempo sem que haja aspectos momentâneos que estejam acarretando a sua permanência, podemos dizer que há um desvio de conduta. Neste caso, o professor deve pedir aos pais para buscarem a ajuda de um especialista.
Devemos destacar que a agressividade existe na educação infantil e que, como já vimos, pode ser desencadeada pela falta de limites, ausência de carinho e atenção, acontecimentos passageiros na vida da criança, ou até mesmo por não saber interagir com o outro senão, por meio da agressão.
Os pais devem mostrar a seus filhos outras maneiras de resolver os conflitos sem a utilização da violência, evitando encaminhar ao especialista, crianças que não possuem transtorno de conduta.
Quando há a necessidade de um encaminhamento, este deve ser baseado em fortes indícios, uma vez que a agressividade está presente na educação infantil, de forma natural.
Enfim, nem sempre a agressividade está ligada a um desvio de conduta, da mesma forma que nem todas as brigas existentes entre os alunos podem ser caracterizadas como bullying.
Prevenir o bullying, ainda na educação infantil, é uma medida importante para poupar nossos filhos de futuros sofrimentos causado pelo fenômeno.
Fonte:
Camargo, C. G. "'Brincadeiras' que fazem chorar! Introdução ao Fenômeno Bullying" 2ª Edição. São Paulo: All Print Editora, 2010. Capítulo 5.
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